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O fim de um conto de fadas com 8 anos de boas lembranças.

  • Foto do escritor: Frank Moreira
    Frank Moreira
  • 26 de dez. de 2016
  • 6 min de leitura

Trump venceu as eleições e com isso será o 45º presidente americano a partir de 2017. Mesmo se não ganhasse, o título dessa história poderia ser o mesmo, pois o conto de fadas seria outro. Seria da primeira mulher eleita como governante da “América”, como os estadunidenses gostam de chamar seu país. Hillary seria a primeira mulher a assumir o posto e faria história, mas não temos nenhum tipo de certeza sobre como o seu governo seria e como os fantasmas do passado poderiam voltar para assombrá-la.


A única coisa certa é que a família Obama não continuará mais no poder e a grande perda está aí, quando percebemos que a figura mais emblemática de toda a história das famílias presidenciais dos EUA não estará mais regendo a Casa Branca. Perder a referência de Michelle Obama será muito nocivo para o país e trocar sua imagem pela de Melania Trump será doloroso, mesmo sabendo que a próxima primeira dama tentou “ser” Michelle algumas vezes durante a corrida presidencial. A Eslovena chegou aos Estados Unidos em 1990, é a terceira esposa de Trump e o fato de ser uma imigrante cria uma situação embaraçosa para o novo ideal de seu marido, que fez questão de atacar os imigrantes durante todos os seus discursos até a eleição ser realizada. O tom conciliador adotado após a vitória sugere bom senso, mas não nos diz que suas convicções foram alteradas com o passar do tempo e será no mínimo inquietante se percebermos que o presidente dos Estados Unidos iniciou uma campanha contra uma fatia da população americana que poderia ser representada pela sua esposa.


Melania será a primeira dama e nada deve mudar isso. A teoria nos diz que voltaremos a ter a figura do presidente como a estrela solo no campo político e teremos a primeira dama responsável pelo aspecto social do cargo. É impossível não fazer um paralelo com nossa “querida” Marcela, símbolo da futilidade e falta de serventia de uma primeira dama que temos pelos lados de cá.



Voltando à Michelle Obama, em meus 36 anos de vida não me recordo de ter me encantado tanto com alguém que ocupasse um cargo “não político” dentro da política como ela fez nesses dois mandatos. Se relacionar com Michelle foi o que permitiu que Barack se tornasse presidente e não há ninguém no mundo que duvide disso, pois ele mesmo sempre fez questão de deixar claro a ascendência de Michelle sobre seu caminho e também já contou inúmeras vezes como foi “empurrado” por ela em uma trilha direta ao topo, para o cargo mais importante do país. Mesmo que a própria primeira dama tenha dito que inicialmente foi contra a ideia da ida à Casa Branca, quando entendeu que era possível fazer algo de bom, se tornou decisiva e comandou todo o processo.


Quando eleito, Barack Obama se tornou o primeiro presidente negro a governar os EUA e o frissom dessa eleição se deu por diversos motivos. Muito se especulava se o novo governante conseguiria manter a força frente a um momento pós Bush, que demandava cautela internacional e muita efetividade no cenário interno do país. Michelle começou discreta, aparecendo como deveria ser, mas já se percebia em seu olhar uma diferença entre as demais que por ali passaram. A inquietude de quem saber o que fazer e o que falar não cabia dentro da primeira dama e a necessidade de se fazer ouvir e de agir com o “poder” que lhe fora cedido pelo povo acabaram falando mais alto. Com elegância e precisão cirúrgica, Michelle foi aparecendo mais, e mais, e mais ainda, até o momento em que não se entendia o governo Obama como sendo o do presidente Barack, e sim como o do primeiro casal que passou a ser o símbolo da nação em todo o mundo. A primeira dama passou a ser idolatrada e sua representatividade virou ferramenta para muitos assuntos que mereciam atenção mundial. Conflitos, saúde, pobreza, violência contra as mulheres e outros temas tabus para os políticos, que precisam sempre ficar “em cima do muro” para não se comprometerem, eram temas comuns para Michelle e sua franqueza e objetividade fizeram com que a ideia da “mulherzinha” do presidente, organizando jantares e recepções como estávamos acostumados a ver fosse completamente destruída em poucos meses. Se tornava impossível para o mundo ignorar que uma descendente de escravos havia se tornado a tutora do “homem mais poderoso do mundo” e Michelle precisava ser reconhecida por isso e, sem tirar uma gota de seu mérito, é preciso admirar a postura de Barack que soube ser coadjuvante quando precisou e, quando juntos, nunca transpareceu a necessidade do protagonismo, entendendo que a imagem do casal era muito mais forte com Michelle no comando.


Não por ser negra, não por ser mulher, não por ser descendente de escravos, não por ter sido vítima de racismo na faculdade e não por ter alavancado a carreira do presidente mais carismático da história americana, mas por todos esses motivos em uma só pessoa, Michelle Obama é a inspiração perfeita para todas as mulheres que militam pelo fim da cultura machista dentro e fora das importantes cadeiras administrativas pelo mundo.


Michelle é uma advogada formada em Harvard, a escola de direito mais conceituada dos EUA e uma das mais qualificadas do mundo, e em seu histórico ainda consta ter estudado em Princeton, outra instituição com renome internacional. Sofreu preconceito por ser uma das primeiras mulheres negras da história a conseguir esse feito e, sob a orientação de seus pais, que sempre lhe disseram para não recusar nenhuma oportunidade que a vida lhe oferecesse por falta de recursos, concretizou esse sonho. O importante era se colocar em posição de destaque e os meios para isso apareceriam se houvesse fé e muita dedicação.


Michelle é feminista e lida com o assunto com muita fluidez, sem se posicionar de forma radical, entendendo que o caminho é complicado e que o preconceito e as diferenças de oportunidades são o resultado de uma cultura antiga, mas que ainda tem lastro nos dias de hoje. Sua fala é contumaz, sua postura é firme e seus argumentos são impecáveis, mas consegue fazer essa apresentação com precisão inigualável e, em oito anos de Casa Branca jamais se viu em situação embaraçosa ou desconfortável por ter sido ríspida demais ou por não ter dado a devida importância ao assunto.


Michelle é engajada na saúde das crianças e criou um programa destinado a trabalhar contra a obesidade infantil e produzir um reflexo de longo prazo na sociedade americana. As crianças de hoje serão adultos de amanhã com muito mais saúde e orientação sobre exercícios físicos e alimentação balanceada do que as gerações anteriores tiveram oportunidade de ser. A primeira dama não só incentiva o programa como participa ativamente e o comportamento saudável é uma referência que aplicou em sua vida, e não somente um conceito a ser seguido por outros.


Michelle está no mundo todo trabalhando de forma agressiva pela criação da oportunidade de estudo para mulheres que hoje não têm esse direito. O projeto Let Girls Learn (sob o movimento #62millionGirls, nas redes sociais) é apoiado pelo governo americano e tem como principal objetivo trabalhar com política de influência nos países em que as mulheres não podem estudar e espera-se que cerca de 62 milhões de mulheres de todas as idades possam adquirir esse direito no futuro.


Michelle não interpreta seu papel, ela o vive. A importância de sua participação na vida dos americanos é tão decisiva que a primeira dama entendeu que não poderia ser um enfeite ao lado do marido. Não poderia falar de forma automatizada e parecer orientada pelos assessores. Não poderia repetir ideia e se mostrar fraca e sem personalidade. Precisava criar sua imagem, sua importância e sua real representatividade. A forma de falar de Michelle é única e permitiu que fosse respeitada e idolatrada em todo o mundo somente pelos seus predicados, pela sua força e, especialmente, pela sua retórica.


Como um bom exemplo do item acima, vale compartilhar novamente o seu discurso antes das eleições, quando apoiava Hillary e desconstruía a imagem de Trump somente com a descrição da destruição dos ideais consolidados nos oito anos de governo ao lado de Barack:



A nova primeira dama pode dar sequência em tudo isso que coloquei pelo texto. Pode ser carismática, elegante, educada e até mesmo criar para si uma imagem de respeito ao lado de Trump. Infelizmente para ela, quatro ou oito anos se passarão sem ter a oportunidade de se consolidar como sua antecessora e isso se deverá somente ao fato de que Melani Trump não é Michelle Obama e se você não é Michelle Obama, você não tem o que é preciso para o cargo.





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