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2016 acabou!

  • Foto do escritor: Frank Moreira
    Frank Moreira
  • 29 de nov. de 2016
  • 4 min de leitura

Fui dormir ontem em um mundo e acordei hoje em outro. Assisti a partida em que o Vitória venceu o Coritiba, no Couto Pereira, e achei que a coisa mais importante para se falar hoje seria sobre o quase decidido rebaixamento do Internacional. Dormi pensando em qual abordagem usaria, se seria mais bem humorada, ou se eu apelaria para o sentimentalismo do drama que a torcida colorada está vivendo.


Acordei e percebi que meus grupos de WhatsApp estavam todos cheios de mensagens. Pensei antes de entrar no banho que a vitória do Vitória havia mexido com a turma, que a queda quase certa do Inter estava esquentando os debates. Aos poucos fui lendo o que aparecia e em segundos entrei em uma catarse que não parecia ter fim, tentando absorver tudo o que acontecia e ao mesmo tempo ponderando sobre a possibilidade de estar dormindo ainda. Entendi que era uma notícia real, séria e que realmente envolvia um acidente aéreo com a equipe da Chapecoense e ainda assim tudo me parecia um pouco surreal.


Enquanto processava os fatos pensava nas pessoas que estavam no avião. Jogadores, comissão técnica, o técnico Caio Junior? Como assim, o avião caiu? Jornalistas estavam no meio das vítimas? Me lembrei dos caras da Fox, todos ex-profissionais de outros canais e que eu já vi milhares de vezes. Quem da Fox estaria por lá? E da Globo? Galvão não era, pois ele estaria em Porto Alegre para a final da Copa do Brasil. Seria o Cléber Machado? O Luís Roberto? Tudo era meio confuso e não consegui sair muito do lugar. Estava sentado na beirada da cama já fazia uma hora, com vontade de ir ao banheiro e precisando ir trabalhar e não conseguia parar de ler as informações. Nesse momento já estava na internet, entrando em site por site e tentando te uma informação mais precisa.


Minutos depois veio o momento em que a catarse virou tristeza e ganhou um rosto. Vários rostos, aliás. A lista de sobreviventes e vítimas saiu nos grupos de WhatsApp e a ideia do acidente ganhou forma, quantidade e sabor. O gosto amargo da tristeza alheia caiu como o mundo nas minhas costas e me peguei sem saber reagir como um adulto, inteligente e que consegue processar uma tragédia como essa como sendo um acontecimento possível e menos surpreendente do que me parecia. Fui lendo a lista, nome a nome, com calma e tentando entender quem era quem. Ela estava separada por categorias: Sobreviventes, Jornalistas, Tripulação e Membros da equipe da Chapecoense que haviam morrido.


Nos sobreviventes eu vi o nome de Danilo e a cabeça analítica já projetou o goleiro, herói de tantas batalhas, sendo herói mais uma vez. Seria a cara da reconstrução. Seria o guerreiro que conseguiu sobreviver e que estaria à frente da equipe que se reergueria em breve. Firmei nele a minha esperança e até um certo conforto eu consegui me oferecer. Fui descendo a lista e vi nomes de jornalistas mortos e ali veio o primeiro golpe de verdade. Victorino Chermont, Mario Sérgio, Paulo Clement, Deva Pascovich e mais alguns que eram conhecidos pelo trabalho no futebol estavam mortos e não seriam vistos e ouvidos nunca mais. A tristeza ganhava a forma de cada um deles e construía um aperto no peito que era diferente, meio angustiado. Eu sabia que e algum momento eu iria chegar nos nomes dos jogadores.


A cada nome de atleta que lia, uma retrospectiva se criava na minha cabeça. A cada personagem, por menor e menos importante que fosse em nosso futebol, uma pontada de tristeza. Cleber Santana. Biteco. Dener. Ananias. Bruno Rangel. Kempes. Assustador. Fui invadido por uma necessidade absurda e incontrolável de me mexer, de circular o sangue que naquele momento parecia estar todo na minha cabeça. Uma dor um pouco inédita essa. Me lembrei do 11 de setembro, pois li um amigo falar que essa era a maior tragédia desde o ataque terrorista aos EUA. Me lembrei do que fazia e me lembrei que foi surreal também. Mas lá se tratava de um ataque, de uma violência, de uma consequência política de milhares de ações mal tomadas e mal planejadas. Aqui era vontade do Deus de cada um. Ou do acaso. Ou do azar. Ou de falha humana. Ou das condições climáticas, ou qualquer outra coisa que não parece ser motivo suficiente para justificar essa catástrofe.


No banho, engasgado com um choro estranho que queria aparecer, me prendia na ideia de Danilo. Ele nos ofereceria o relato do acidente, seria emocionante, seria heroico, seria épico. Ele fez uma defesa no último lance contra o San Lorenzo e permitiu que a Chapecoense entrasse para a história, se tornasse o segundo time de todos, se tornasse uma força da natureza que era retratada por todos como o melhor exemplo possível de superação, organização e profissionalismo do nosso futebol. Danilo seria a cara dessa epopeia e sempre teríamos nele a referência do herói brasileiro, que sobreviveu, que triunfou.


Saí do banho e, estupidamente, resolvei me atualizar mais. Li de passagem dezenas de mensagens sem focar em nenhuma delas e de repente tive um impulso de voltar a ler novamente. Com calma e entendendo cada informação. Vi que Danilo havia morrido também. Não suportou os ferimentos do acidente e morreu. Não estava preparado para isso, nem um pouco. O choro acabou vencendo e senti a fraqueza que ser humano me obriga a ter e que cada um demonstra de um jeito. Chorei apertado, segurando para ninguém (?!) ver, pensando que a minha vida era muito maior que isso e que o que eu estava trazendo para mim um acontecimento que não me dizia respeito.


Diz respeito a mim sim. Profundamente. Sou apaixonado por esporte e me alimentei dele por toda a minha vida, ganhando conhecimento, comemorando, sofrendo, sorrindo, chorando. Alguns dos maiores momentos da minha existência foram regados pelos acontecimentos históricos que o esporte me ofereceu e tentar relativizar isso seria inútil e demonstraria muita ingratidão da minha parte. Essa tragédia é um golpe nesse amor. Um golpe profundo e sem precedentes, pois percebi que nos meus 35 anos de idade eu ainda não tinha vivido uma perda tão grande dentro do esporte. Me lembrei de Ayrton Senna. E chorei de novo.


A ano de 2016 acabou e que me perdoem aqueles que ainda têm algo a pensar, torcer, protestar e até mesmo comemorar. Nada será mais importante do que isso.


Que cada um dos parentes e amigos das vítimas do acidente tenham mais sabedoria do que eu para entender o que aconteceu.


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