Final de semana de trevas em Belo Horizonte
- Frank Moreira
- 27 de out. de 2016
- 5 min de leitura
O cenário político brasileiro dos últimos anos é completamente surreal e nos deu a oportunidade de ver a história ser escrita da pior maneira possível, pois testemunhamos todos o tipos de conluio, favorecimentos, evidências de corrupção e manifestações egoístas e intolerantes que foram possíveis de se disseminar. O brasileiro tomou gosto pela anarquia ideológica e em sua maioria sequer se esforça entender de forma clara aquilo que acontece ao seu redor. Com o passar dos últimos anos eu desconstruí em minha cabeça a ideia de que nosso povo era alienado e passei a perceber que nossa posição política (ou a falta dela) é puramente um reflexo do nosso comportamento defensivo com o qual buscamos conforto e paz de espírito por estarmos "tomando partido" nas questões públicas que nos jogam aos pés. O brasileiro não é mais massa de manobra e sim um aglomerado de armas de destruição em massa da democracia de opiniões e comportamentos. A forma como entendemos nosso contexto e como nos utilizamos de redes sociais e mídias de comunicação para um spread de rancor e discursos de ódio é sintomático e nos coloca de frente a um período de trevas nas relações, especialmente quando o assunto envolve nossa política e nossos representantes.
Quando chegamos em época de eleição somos (ou éramos) tomados pela mínima ideia de que uma nova seleção de políticos trará um fato novo à nossa realidade. Enganados de dois em dois anos, vamos às urnas para fingir que estamos melhorando nossa representação perante o Município, o Estado e a União e trabalhamos nossos conceitos a cada oportunidade para que tenhamos a maior consciência possível na hora dessa tomada de decisão. A incapacidade do povo brasileiro em entender como um processo eleitoral se constrói e que tipo de ferramentas são utilizadas para se levantar ou derrubar um candidato é o principal insumo dos politiqueiros e marqueteiros contratados para ensinar os postulantes aos cargos políticos a falar e escrever exatamente aquilo que as pessoas querem ouvir e ler.

Fonte: www.oglobo.com
As eleições municipais em Belo Horizonte irão ao segundo turno e por aqui teremos dois candidatos que começaram as campanhas de uma forma e estão terminando de outra completamente diferente, e essa mudança brusca na estratégia de cada um causou uma "pane" na mente do belo-horizontino e trouxe à tona toda a mazela do processo eleitoral. Alexandre Kalil e João Leite são os mais fortes candidatos desde o começo do processo de campanha política, mas no início percebíamos um João Leite navegando sozinho na liderança das pesquisas e um Kalil com um índice de rejeição muito alto. Folclórico e muitas vezes desagradável, Kalil se ridicularizou muitas vezes e gerou um desconforto muito grande na população quando resolveu "experimentar" as dificuldades do cidadão comum para, segundo ele, entender a melhor forma de ajudar a melhorar a condição da gestão da cidade e da prestação do serviço público. Andou de ônibus, a pé, pegou trânsito, visitou favelas e tentou se aproximar das pessoas, mas o máximo que conseguiu foi criar uma antipatia natural do grande público que ainda via o Alexandre Kalil presidente do Clube Atlético Mineiro, fanfarrão, falastrão, machista e intolerante. Um personagem que marcou a história da cidade e que jamais sairia do lugar como candidato enquanto não desconstruísse a imagem firmada por tantos anos. Kalil parou de se expor e começou a falar e ao falar teve a oportunidade de perceber que o povo queria ouvir e não assistir a um teatro. Subiu nas pesquisas de forma agressiva e deixou de ser figurante na disputa pela prefeitura, chegando ao segundo turno com diferença perfeitamente alcançável e alcançando a ponta em algumas das pesquisas.
João Leite também tem história no esporte, mas jamais foi folclórico, pelo contrário. É um personagem apagado em nossa história política e jamais teve apelo popular para despontar como o grande nome de um partido. De qualquer forma, chegou forte nas eleições e desde o início do processo o que se ouvia era que era triste pensar na hipótese de tê-lo como candidato, mas que sele seria o prefeito por falta de concorrência. Imaginava-se até uma eleição em primeiro turno e, mesmo que isso tenha sido descartado logo de cara, ainda se manteve muito confiante e seguro de sua estratégia. Essa estratégia era segura e menos agressiva do que estamos acostumados e João Leite, por não precisar de grandes feitos para se manter, escolhia falar mais de política e menos de políticos. tudo isso mudou ao menor sinal de que alguém o ameaçava e Alexandre Kalil aparecer como um fantasma no seu encalço. A abordagem do candidato mudou e a política ficou de lado, começaram os ataques mútuos e de repente o cidadão belo-horizontino se viu no meio de uma guerra pública que não respeitava mais a ética da disputa limpa e muito menos a vontade das pessoas em conhecer melhor seus candidatos. Ofensas em debates, promessas de processos por difamação, testemunhas de desvios comportamentais, acusações de fraude, de desvio de direitos trabalhistas e de verbas públicas. De repente a eleição em Belo Horizonte não era mais uma disputa entre dois candidatos que queriam contribuir com algo real para nossa cidade e sim entre dois homens de negócio que se viram com a mão na gaveta do poder e identificaram no concorrente o maior obstáculo para obterem esse ganho pessoal.


Fonte: (imagem esquerda - www.em.com.br / imagem direita - http://blog.chicomaia.com.br/)
Os eleitores de Belo Horizonte se transformaram em refugiados de uma guerra que não terá vencedores e passaram a perceber que o seu voto não era mais uma escolha para aquela que seria a melhor escolha possível e sim para aquele que não era o outro. Tenho um círculo de relacionamentos relativamente grande e em todos os meses de eleição JAMAIS ouvi alguém falar que votaria em qualquer um dos dois por entender que seria um bom prefeito ou que merecia pela sua história de vida ou na política.
O que vemos é simples de entender, apesar de triste: de um lado teremos um ex-dirigente de futebol, popular por isso, empresário em crise, sendo processado por todos os lados, devendo ao governo e a inúmeras pessoas físicas e acusado de recolher INSS de seus funcionários e de não repassar para a Previdência. Disse inúmeras vezes em sua vida que nunca teria o menor interesse em ser político e, de repente, aparece candidato a prefeito no pior momento de suas finanças pessoais, quando se vê cercado e sem alternativas para dar uma guinada positiva no rumo dos negócios. Do outro temos um político profissional, apadrinhado por alguns dos mais corruptos representantes públicos que já tivemos, e acusado de participar de um esquema em Furnas que desviou milhões de reais. Além disso demonstrou um descontrole muito fora do normal quando se viu confrontado em debates e situações de conflito com seus opositores, sempre perdendo a linha, desviando o foco e se utilizando de evasivas de todas as espécies.
Seria um fim de semana para se pular em nosso calendário e, inacreditavelmente, o péssimo Marcio Lacerda continuar no cargo seria o menos pior dos cenários para a população de BH. É assustador, mas é verdade que o eleitor que vai de cabeça baixa às urnas nesse fim de semana sabe que mais uma vez o seu voto perderá o sentido e não haverá nenhum ganho objetivo após a posse do novo prefeito.
Que ainda assim sejam exercidos os direitos de escolha e que cada um tente tirar de algum lugar (que eu desconheço) os motivos para se escolher se iremos para lugar nenhum, ou lugar algum.
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