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"Você vale mais que uma prova!"

  • Foto do escritor: Frank Moreira
    Frank Moreira
  • 5 de nov. de 2016
  • 6 min de leitura

Hoje é dia de ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio, mas também poderíamos chamá-lo de Dia Nacional do Pânico Estudantil. Antigamente, tínhamos os grandes vestibulares do país em datas diferentes e isso ainda permitia que houvesse um pouco de diluição desse sentimento entre os candidatos Após o ENEM se tornar o principal meio de se entrar em uma Universidade Federal, centralizou-se em um único final de semana todo o processo e, com isso, toda a ansiedade da mocidade brasileira.


Não vou colocar em pauta a minha opinião sobre essa mudança recente de transformar o ENEM nesse evento tão importante para os estudantes e nem se há outra forma melhor de fazer o que ele se propõe. O foco é outro.


Fonte: www.maximes.com.br


Minha esposa é professora em Belo Horizonte e trabalha nessa profissão já faz quase 20 anos e, por causa disso, posso dizer com certeza que conheceu de perto toda a evolução(?) do ensino brasileiro nesse período. Recentemente me aproximei um pouco de um grupo de professores amigos dela e hoje até faço parte de um grupo do WhatsApp em no qual se fala sobre tudo, inclusive sobre ensino, suas nuances e o perfil dos alunos de hoje em dia. Uma coisa que é um senso comum entre eles, e tomarei a liberdade de me colocar dentro desse grupo daqui para frente, é que de um bom tempo para cá houve a consolidação de um processo que já vem de muito tempo e que foi extremamente nocivo para todos aqueles alunos que estão trilhando seus caminhos rumo ao seus futuros. A supervalorização das provas e avaliações e a forma como o aluno de hoje em dia é medido e pesado de acordo com seu desempenho nesses testes e é aí que quero pautar minha reflexão de hoje.


Vou extrapolar o campo estudantil e o ambiente acadêmico e trarei essa discussão para a nossa vida real, nosso dia a dia, nosso trabalho, nossa busca pelo sucesso e pela realização profissional. Quando será que passamos a ser avaliados por aquilo que podemos provar, atestar, e não por aquilo que podemos demonstrar? Quando será que passamos a valorizar mais as pessoas que se posicionam melhor, que se fazem entender melhor e que às vezes mentem melhor do que aquelas que fazem melhor? Que aprendem melhor? Que se desenvolvem melhor? Deixamos de entender como as pessoas são, seus pontos fracos e fortes, e trabalharmos para ajudá-las no seu desenvolvimento e aprendizado para querer que elas cheguem prontas, conhecedoras e donas de rótulos que nos deem conforto na hora de selecioná-las.


As empresas e empregadores de hoje entendem melhor aquilo que precisam para desenvolver seus negócios. Diferentemente de antigamente quando as empresas eram baseadas nas pessoas e em suas capacidades, hoje elas são direcionadas pela análise de custo e performance. Tudo é medido e quantificado. Tudo é calculado e todos os trabalhos realizados têm seus custos e preços determinados com precisão cirúrgica e com isso ficou mais fácil para quem provê oportunidades selecionar a dedo aqueles que se encaixarão melhor nas suas necessidades. Os profissionais que estão no mercado não são mais pessoas comuns, cada um com sua história de vida e com suas deficiências e dificuldades para serem exploradas (no bom sentido) e trabalhadas para que a pessoa que entrar no primeiro dia em um emprego seja bem pior e menos capacitada daquela que sairá, às vezes, 10 anos depois. Isso não existe mais. O que vemos hoje é que cada candidato a cada vaga disponível é somente uma pequena ferramenta que precisa se enquadrar na especificação técnica do serviço a ser realizado e, para tal, necessariamente precisa mostrar as habilidades que um cargo exige em seu manual de descrições, como é comum vermos hoje em dia.


Trabalho com gestão de pessoas, de clientes e de crises. Essa é minha função na empresa que me contratou e hoje em dia sei que minhas habilidades se desenvolveram com o tempo, sei que o Gerente de Relacionamento que sou hoje é uma versão evoluída do Coordenador que fui no passado, ou até mesmo do atendente de lanchonete que um dia tive o prazer de ser. Cada atividade que tive na minha vida me permitiu aprender alguma coisa específica para que eu utilizasse no que faço, com toda a modéstia possível, tão bem nos dias de hoje. Pelo menos é assim que meu empregador me vê. Como um profissional do Relacionamento de sucesso, que executa suas funções com sabedoria e com os recursos apropriados para isso. Amanhã, caso eu me veja como um candidato no mercado de trabalho, certamente reunirei os predicados adequados para atropelar uma série de outras pessoas que não tiveram a história de vida que eu tive. Não tiveram as oportunidades que eu tive e não tiveram a mesma educação que me foi dada. E ainda assim seremos medidos por um teste, seremos avaliados por aquilo que for preenchido em um papel e também pela nossa capacidade de atuar melhor em uma entrevista de emprego. Dificilmente nossa capacidade e potencial serão avaliados de forma igual, para que se saiba na hora qual de nós será o mais adequado para a função, ou que terá a maior capacidade de adaptação. Das duas, uma vai acontecer: ou será escolhido o mais barato ou o que tem maior experiência e quase nunca veremos uma escolha pautada na visão do potencial e da perspectiva futura.


Neste ponto é que reside o problema, pois esse padrão de seleção e de avaliação é que faz com que os profissionais se especializem em serem selecionáveis e não em serem bons naquilo que fazem. Tive o desprazer de conviver e trabalhar com uma série de pessoas que tinham como único objetivo em suas vidas trabalhar o marketing pessoal, sempre preocupados em estar na evidência apropriada para que seus nomes sejam lembrados dentro de suas empresas ou até mesmo do mercado no qual atuam. Essas pessoas se preparam para criar um personagem tão forte dentro daquele nicho, que suas competências e virtudes profissionais ficam em segundo plano, escondidas atrás da pseudo capacidade que desenham para o mercado.


Essa realidade é o molde dos jovens de hoje. A nossa geração, que é uma geração de pais desses possíveis candidatos ao mercado de trabalho, trabalha para transformá-los nisso. Na medida em que mostramos para eles como obtivemos o nosso sucesso e como crescemos em nossas profissões, na forma como vencemos os “adversários”, como os derrubamos quando tivemos oportunidade, como somos sempre os grandes destaques em nosso ambiente de trabalho. É aí que formamos suas visões sobre o que precisam ser, sobre o que esperamos deles, sobre aquilo que eles “deveriam gostar de ser”, sobre o que será certo ser.


Não há como censurar e criticar a forma como nossos jovens são, coisa que fazemos com frequência e com o peito estufado. Eles são um espelho do que fazemos e dizemos, mesmo que não acreditemos nisso e é assim que a vida funciona. Nós nos enchemos de orgulho para ver a mocidade de hoje em dia e falar que somos melhores do que eles pelo que nossos pais nos ensinaram e isso certamente aconteceu com todas as gerações anteriores. Como podemos querer atribuir a fragilidade dessa turma de hoje em dia a outra coisa que não seja aos nossos exemplos? Aos nossos valores, aos nossos conceitos? Eles são uma versão evoluída de nós mesmos, e se essa evolução não está indo para onde gostaríamos precisamos entender que somos os principais culpados.


Há conserto? Preciso falar que sim, mas preciso também ter a tranquilidade de entender que esse mundo que vivemos, que nos motiva a sermos egoístas, autossuficientes e presos às conquistas, especialmente materiais, não vai mudar durante muito tempo. E se ele não mudar, dificilmente conseguiremos que as pessoas mudem sua forma de pensar, de agir e de atropelar os próprios sonhos e desejos.


Somos medidos pelo que podemos mostrar, pelo que preenchemos nas provas e pelo que nossos resultados operacionais atestam. Somos rotulados pelo nosso comportamento, pela nossa capacidade de atuação e pela força com a qual cravamos nossas bandeiras. Somos valorizados não pelo que fazemos ou pelo que podemos fazer, mas sim pelo equação que é resultado da relação entre essa medida e esses rótulos e jamais pelo real papel que executamos em nossa vida pessoal e profissional. Não somos avaliados pelo todo que representamos e sim pelas frações avaliadas separadamente e que atendem às particularidades que se tornaram tão importantes para quem é responsável por determinar nosso futuro.


Hoje é dia de ENEM, dia de um mundo de pessoas acharem que estão dando algum passo real e sólido para os seus futuros, mas sem saberem que na vida real, esse passo será para o vazio se não entenderem que somos um pouco mais do que aquilo que obtemos como resultado quando somos avaliados.


Não se esqueça que VOCÊ VALE MAIS QUE UMA PROVA e sempre vai valer. Não importa o que eu, ele ou ela falarmos, entenda que a complexidade que nos constrói não pode ser avaliada de forma tão simples e seletiva.


Fonte: Feed da esposa, Facebook.

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