O professor Luxemburgo foi doutrinado
- Frank Moreira
- 7 de out. de 2016
- 6 min de leitura
Dias atrás escrevi sobre qual deveria ser o papel da imprensa esportiva em um país e sei que o assunto é controverso, pois acaba trazendo para a discussão as opiniões pessoais e as preferências de cada um, mesmo sabendo que os meios de comunicação interagem com as massas e não com um indivíduo de cada vez.
Nas segundas feiras temos sempre, entre outras opções, dois programas em formato de “mesa redonda”, nos quais convidados são recebidos pelos jornalistas (no caso da Sportv) ou os próprios jornalistas discutem entre si sobre os assuntos da semana (no caso da ESPN). Cito os dois por serem os programas que polarizam o debate esportivo na tv fechada e neles estão aqueles jornalistas que são considerados os mais “gabaritados” no momento, com algumas exceções. O formato dos programas é clichê mas dificilmente deixará de ser a tendência daquilo que receberemos como oferta pelas emissoras, pois a fórmula é simples, permite o amplo debate e nos reserva momentos para a posteridade.
Um desses momentos foi proporcionado no programa da última segunda-feira, na Sportv. Galvão e sua turma recebiam o multicampeão, e amigo pessoal do apresentador, Vanderlei Luxemburgo e, desde o início da atração, a sensação era de que o objetivo maior do dia era permitir a Luxa se mostrar novamente ao público brasileiro após o fracasso estrondoso de seu projeto na segunda divisão chinesa.

Fonte: www.torcedores.com
O programa foi completamente surreal e desde o início o tom era de desafio e resposta, cobrança e racionalização. Luxemburgo deu um espetáculo que será utilizado por todos os treinadores decentes desse país como o símbolo daquilo que não querem se tornar. O treinador fez história no país e até mesmo fora dele, pois foi um treinador brasileiro que teve oportunidade de treinar o maior clube de futebol de todos os tempos – sua passagem no Real Madrid foi rápida e sem sucesso, mas isso não diminui em nada o feito de ter se proporcionado a oportunidade de receber esse reconhecimento. Dentro do Brasil as conquistas foram sensacionais, sempre com os times mostrando um futebol diferenciado e que se aproximava daquilo que todos consideravam o ideal e esses trabalhos construíram ao redor de Vanderlei uma parede de sucessos, resultados, títulos e muito, mas muito ego. O treinador sempre fez questão de se mostrar como uma entidade dentro do futebol, falando como se estivesse imune à defasagem, ao desconhecimento e às evoluções que o futebol mundial acabou trazendo para todos. Seus últimos 10 anos foram de resultados melancólicos, lutas contra o rebaixamento, demissões sumárias e passagens frustrantes por alguns dos maiores clubes do país. O mais recente projeto como treinador foi na segunda divisão da china, quando comandou a equipe do TIANJIN SONGJIANG por somente 12 partidas e foi demitido. A ida de Luxa para o novo centro do futebol asiático foi cercado de expectativas, pois ele mesmo fez questão de falar aos quatro cantos que iria revolucionar o futebol do clube com sua atuação como manager e não somente como treinador de beira de campo. Após sua demissão, Luxemburgo voltou ao país e não teve seu nome venturado por nenhum clube de ponta, nem mesmo naqueles que disputam as últimas posições do Brasileirão e precisam de alguma novidade para escaparem da degola. Pela primeira vez o treinador se via fora de contexto e como um nome que caiu no esquecimento dentro do futebol brasileiro.
No “Bem, Amigos!” de segunda Galvão Bueno fez sua parte. Foi simpático, exaltou as qualidades e as conquistas de Luxemburgo e com toda a simpatia que tem (?!) dava ao amigo a grande chance de ser lembrado, se não nesse final de ano, no início da próxima temporada para começar um trabalho bem planejado em algum clube de expressão do nosso futebol. O que faltou ao apresentador foi acertar com os demais participantes da bancada de jornalistas a forma como deviam interagir com o convidado de honra. Luxemburgo foi duramente sabatinado e os participantes do debate tocaram em todas as feridas que estavam disponíveis e isso fez com que o treinador perdesse completamente a linha na postura e no teor das declarações. Alguns trechos foram hilários e outros extremamente constrangedores e fizeram a “alegria” da internet e a tristeza da categoria dos treinadores no Brasil.
Quando questionado acerca do sucesso dos treinadores argentinos na Europa e sobre o motivo de os brasileiros não seguirem o mesmo caminho, Luxemburgo devolveu perguntando sobre “quais treinadores faziam esse sucesso?” e apesar de citar de passagem o técnico do Tottenhan (Maurício Pochettino), mostrou um legítima cara de surpresa ao ser lembrado de vários outros nomes de extremo sucesso como Jorge Sampaoli, Diego Simeone, Tata Martino, etc. Foi citado como exemplo, também, que das dez seleções das eliminatórias da América do Sul seis possuem treinadores Hermanos e Luxemburgo relativizou, como se a importância só pudesse ser dada se treinassem os principais times da Europa ou as maiores seleções do mundo.
Outro ponto de debate intenso foi quando se discutiu sobre a importância em se dominar o idioma do país no qual está trabalhando e Luxemburgo argumentou falando que esse era um dos motivos do sucesso dos treinadores sul americanos na Espanha, por exemplo. Entretanto, quando foi questionado por não ter investido em si mesmo para isso e ter permanecido com somente o Português para se comunicar, Vanderlei perdeu a linha completamente e chegou a gritar em uma disputa pela palavra com Cleber Machado e também afirmou que Caio Ribeiro estava “completamente equivocado” ao afirmar que um treinador poderia perfeitamente investir em um professor particular de idiomas para se colocar no mesmo patamar de outros técnicos no quesito comunicação.
No meio desse fogo cruzado, Galvão Bueno apelava para as questões técnicas de todos falarem ao mesmo tempo e para o bom senso dos participantes em tentarem respeitar os colegas que estavam falando, mas invariavelmente fazia isso interrompendo alguém. O constrangimento foi tomando conta do programa e a reação dos participantes acabou sendo a de recuarem e de desistirem da argumentação. Luxemburgo, em mais um momento emocional, desabafou falando que os treinadores brasileiros eram massacrados pelos 7x1 da Alemanha em 2014 como se todos eles tivessem treinado a seleção e fez questão de frisar que quem levou os 7x1 foi o Felipão e ninguém mais. Afirmou também que muitos falavam em desatualização dos treinadores brasileiros e que não os considerava assim. Disse que nem eles e nem ele mesmo, Luxemburgo, deviam nada em termos de conhecimento e inovações do futebol, finalizando com a pérola de que tudo que se via de “novo” por aí no futebol tinha sido trazido por ele mesmo no passado.
Vanderlei concluiu sua obra citando que um dos motivos de sua saída da China é o fato de que há muita manipulação nos jogos do país. Citou casos do passado e até mesmo a prisão de pessoas envolvidas. Acusações graves e que fizeram com que todos se ajeitassem nas cadeiras. Não sabemos se Luxemburgo imaginava que não haveria repercussão sobre esse item em específico, mas o resultado foi imediato e o citado Felipão fez questão de desconstruir totalmente as teorias apresentadas por ele e chegou a dizer que as declarações do ex-treinador poderiam resultar em "preconceito contra os brasileiros que estavam na China" e que "portas poderiam se fechar para nossos jogadores e treinadores no futuro".
O efeito prático do destempero de Vanderlei Luxemburgo nos faz refletir sobre algumas coisas. Uma delas é que, de fato, muitos de nossos treinadores são dinossauros e por mais vencedores que já possam ter sido acabaram trabalhando contra si mesmos ao não abrirem a cabeça para aquilo que o mundo está nos mostrando. Apesar do discurso de muitos deles que fazem questão de falar que se espelham nos cases de sucesso da Europa, o que vemos na prática é o mesmo arroz com feijão que um dia funcionou e que há muito não faz o futebol brasileiro ser visto com o respeito que um dia já teve. Outro ponto a se pensar é que as portas, que já não estavam muito abertas para Luxemburgo, tendem a se fechar ainda mais, pois um episódio desses acaba fazendo com que os dirigentes sejam obrigados a ponderar sobre suas vontades e entender que não querem associar sua marca e seu clube a um treinador com visão tão limitada e egocêntrica.
Luxemburgo tem 64 anos e sua idade não é em nada um empecilho para realizar bons trabalhos no futebol, mas sua falta de inteligência emocional para lidar com as críticas faz com que esteja sempre na corda bamba. Não consigo mais ver o treinador reaparecendo como um nome de respeito em seu meio, e todos sabemos que seu histórico fora dos campos de futebol, na vida pessoal, passa longe de ser saudável. Seu conhecimento desse esporte não vai sumir e ele sempre será lembrado por algumas torcidas quando da comemoração de títulos do passado, mas é provável que o fim de sua carreira seja a próxima grande notícia que será veiculada com seu nome.
Quero só deixar registrado que não descarto em 100% a possibilidade de o ano de 2017 começar e algum dirigente em desespero resolver trazer para si a responsabilidade de ter Luxemburgo no comando de seu elenco. Seria bizarro e uma surpresa, mas não seria a primeira e nem a última que nosso futebol nos proporcionaria.
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