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No futebol não se ganha sem suar a camisa

  • Foto do escritor: Frank Moreira
    Frank Moreira
  • 5 de set. de 2016
  • 5 min de leitura

Já há muito não ouvimos mais com a mesma intensidade a velha máxima de que o futebol brasileiro compensava a falta de disciplina e vontade com a técnica e talento diferenciado de seus jogadores. Muitos jogadores da atual geração cresceram ouvindo isso e se acostumaram a pensar assim, sempre tentando desenvolver habilidades bailarinas para resolver um jogo em um lance ao invés de se prepararem de forma completa para vencerem as partidas de forma dominante. O futebol europeu, especialmente, nos mostra há muitos anos que estão muito preocupados em formar as bases dos times com jogadores que entendem o conceito de futebol coletivo, com vigor e disciplina, até mesmo daqueles que são vistos como craques ou jogadores diferenciados – nada mais comum do que perceber que Rooneys, Hazards e até mesmo Ibras, Messis e Ronaldos estão cada vez mais solidários com os esforços de seus times no combate aplicado nas jogadas adversárias. Centroavantes que não incomodam os zagueiros e meias ou pontas que não acompanham as subidas dos laterais estão cada vez mais escassos e são aqueles jogadores de menor destaque em suas equipes.


Todo o time alemão após o meio de campo - Fonte: forumouterspace.com


O futebol brasileiro vive um conflito com essa ideia, pois está no meio de um caminho em que uma parte dos treinadores e clubes acredita que seus elencos melhores, com jogadores mais decisivos irão resolver os jogos mesmo se não houver força coletiva – gols de falta, dribles e finalizações de longa distância resolviam jogos em larga escala e está na cultura de muitos clubes brasileiros moldarem seu estilo de jogo para buscarem essas oportunidades dentro de uma partida. O outro grupo acredita no trabalho pesado, na compactação e na entrega total à marcação com a finalidade de permitir o mínimo de chances ao adversário sem ter que ficar com a bola o jogo inteiro – a vitória desses clubes sobre o outro grupo vem através da organização tática e do senso coletivo, da falta de vaidade dos jogadores que sujam o calção o tempo inteiro tentando recuperar a bola e saem no contra ataque com a maior velocidade possível.


Não é uma apologia ao futebol brucutu, de resultado, e sim uma clara manifestação em favor da ideia moderna de futebol. A ideia vencedora faz com que Alemanha, Espanha, Itália, entre outras escolas de futebol, tenham os resultados vencedores que seus clubes mostram a cada ano. Ninguém jamais discutirá o talento que a seleção alemã, campeã do mundo em 2014, tem, porém a marca mais clara dos tetracampeões era a compactação do time em 2 ou 3 linhas distribuídas em, no máximo, 20 metros de campo durante a defesa e sua saída mortal em contra ataque quando a bola era recuperada. A Espanha campeã do mundo em 2010 esbanjava categoria e posse de bola, mas quando perdia a posse o que se via era um festival de dedicação, especialmente dos meias, no intuito de roubar a bola ainda no campo de ataque. A Itália, bom, a Itália é a Itália e nada que eu escrever aqui será mais eficiente do que ver a Azzura em campo – é a seleção que joga o melhor pior futebol do mundo em todas as Copas e mesmo quando desagrada a todos, agrada a todos. Falei das seleções, mas se pararmos para pensar, clubes como Juventus, Barça, Real, Bayern Borússia e Atlético de Madri se alternam em estilos, mas sempre entregam o mesmo produto: organização tática absurda + vontade canalizada + qualidade técnica acima da média. Não tem como dar errado, pois o futebol, nessa hora, é muito simples e matemático – times e seleções assim serão sempre vitoriosos em detrimento daqueles outros que jogam em função de um ou dois jogadores que, eventualmente, decidirão uma partida aqui e outra ali.


Ontem assisti boa parte de Grêmio e Botafogo, jogo atrasado pela 16ª rodada do Campeonato Brasileiro da série A. O jogo ficou 2x1 para o time carioca, que atingiu a 11ª posição e, em franca ascensão, manteve o grêmio na 6ª colocação, fora do G4. Qual a marca principal desse jogo? Ganhou quem fez mais força para ganhar. O Botafogo havia tomado uma surra do Cruzeiro no meio da semana pela Copa do Brasil e o Grêmio descansou, mirando o grupo dos quatro primeiros colocados do Brasileirão, e nem assim percebemos o time gaúcho mais disposto em campo. O futebol preguiçoso saltava aos olhos e, mesmo com mais talento individual, jamais pareceu que o grêmio levaria os três pontos para casa. Um amigo, que assistia ao jogo ao meu lado, disse, o que agora nos parece óbvio: “Impressionante a pegada do Botafogo. Dividem todo lance como se fosse a bola do jogo. O Cruzeiro (ele é um torcedor do clube mineiro) também está assim, mesmo deixando a desejar em algumas partes táticas, divide todas as bolas e acaba sendo premiado”.


Esse é o segredo do jogo. Não é correr mais que o adversário e nem ter 80% de posse de bola e sim ter mais vontade, ser mais decisivo e, especialmente, intimidar mais quem está do outro lado. A intimidação que funciona não é a da violência, quero deixar claro, e sim aquela que faz com que o seu adversário pare para pensar que nada que ele fizer jamais será suficiente para ganhar de você naquele dia – é preciso que cada lance seja uma declaração de soberania dentro de campo, de superioridade tática e estratégica. Some a essa fórmula uma pitada de bons fundamentos e poder de decisão e você terá uma equipe sólida e confiável – talvez não campeã, mas certamente bem sucedida dentro de seus objetivos.


O Cruzeiro, citado acima, é o melhor exemplo do atual momento do Campeonato Brasileiro e mostra a cada jogo como a mentalidade de um treinador, quando bem enraizada no elenco, transforma um clube sem vontade e com espírito de derrotado em uma máquina de lutar. A formação é basicamente a mesma e o elenco também, mas Mano Menezes conseguiu fazer com que a Raposa se tornasse um clube temido dentro da competição e aqueles que ansiavam pela chance de vir ao Mineirão jogar no contra ataque, atualmente pensam no medo de serem amassados pelo padrão de jogo cruzeirense. O quarteto mais talentoso do time é solidário demais, pois Robinho, Arrascaeta, Sóbis e Ábila estão sempre apertando o adversário e quando se juntam a Henrique e Lucas Romero, é impossível a batalha de meio de campo não ser vencida pelo time mineiro que rouba a bola e liga o ataque com velocidade e verticalidade.


Para concluir o raciocínio, é preciso analisar a Seleção Brasileira que está se formando. Os craques estão lá, como sempre estiveram. Mesmo na crise que nossa seleção enfrentou (enfrenta?), jamais deixamos de ter alguns dos melhores do mundo a nosso serviço e a equipe de Tite conta com eles. Veremos que Tite irá montar um time que não será operário, como alguns de seus trabalhos anteriores foram, pois não há como desprezar todo o talento que Neymar seus amigos têm, mas certamente ele trará para esse grupo um senso de cooperação que, tenho certeza, jamais os abandonará. A Seleção Brasileira vinha sendo o lazer de alguns atletas, que saíam do ambiente sério e profissional de seus clubes e vinham para a Granja Comary para treinar o freestyle e as selfies. Agora, aprenderão a deixar tudo dentro de campo pela sua seleção, para se tornarem ídolos nacionais novamente e, aí sim, serem respeitados lá fora como craques e referências técnicas em suas posições. Essa é a geração de Casemiro, Marquinhos, Renato Augusto e Philippe Coutinho, de Douglas Costa e Gabriel Jesus – Neymar, o craque Midas que está acostumado a ser sempre o centro da tela, vai, aos poucos, entender que isso só se manterá se ele dançar a música de Tite.


Viva o futebol de bom resultado, com a bola e sem ela, com goleada ou de 1x0. Viva a uma nova cartilha em nosso futebol, cartilha que mostra o caminho do sucesso e da retomada da confiança. Que mais Tites e Manos Menezes se formem ou que os dinossauros que temos sejam extintos e renasçam coma cabeça aberta para conhecer o novo futebol que o primeiro mundo da bola vem jogando.


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