Explicando o inexplicável - Volêi feminino x masculino
- Frank Moreira
- 15 de jul. de 2016
- 5 min de leitura
Que o vôlei já é o segundo esporte no Brasil há vários anos não existe mais dúvida, assim como todos sabem que é um dos maiores produtores de medalhas olímpicas da era moderna. Treinadores consagrados e campeões olímpicos nas duas seleções, alguns dos melhores jogadores do mundo e certamente as ligas de clubes mais fortes do planeta. Se estivéssemos falando de futebol projetaríamos os maiores e melhores campeonatos europeus e é assim que o vôlei brasileiro é visto pelos amantes do esporte e pela mídia mundial.
Rio 2016 vem aí e mais uma vez teremos as duas seleções com grandes chances de conquistar mais medalhas para o Brasil – a seleção feminina conquistou o 11º título do Grand Prix no último domingo e a seleção masculina vem fazendo bonito na Liga Mundial, torneio que possui 9 conquistas. Em uma análise de torcida e mídia geral, nada a se questionar, porém, quando analisamos o que os esportes representam para o torcedor e para a mídia especializada, percebemos que estamos falando de duas realidades muito diferentes.
Nem o bicampeonato olímpico e os 11 títulos do Grand Prix conseguem colocar o vôlei feminino sob mais holofotes que o masculino e isso se explica pelos argumentos mais absurdos que poderiam existir – gostamos mais do jogo masculino pelo fato de ele não ter tudo aquilo que o vôlei desenvolve como conceito de esporte, seja no aspecto tático ou técnico.

Fonte: sportv.com.br
A seleção feminina do Brasil é, de longe, a mais técnica do mundo, pois não possui as maiores e mais fortes jogadoras, o melhor saque, ou os melhores desempenhos em fundamentos e acaba se destacando pela força técnica e tática que a equipe de profissionais que acompanham as atletas ajuda a desenvolver. O vôlei é um esporte coreografado, com movimentos precisos e jogadas desenhadas, ensaiadas à exaustão e executadas com precisão fora do comum – o processo entre se fazer um passe, levantar a bola para o que haja o golpe de um atacante se assemelha a uma dança, que precisa ser muito bem sintonizada para que o resultado final possa atingir o esperado. Romanticamente, penso que o vôlei foi inventado para mostrar ao mundo a absurda capacidade do ser humano em trabalhar em equipe e poucos esportes conseguiram se desenvolver de forma tão perfeita a ponto de o entrosamento e a perfeita utilização do próprio corpo serem as chaves da vitória. O talento individual é extremamente bem vindo, porém jamais será o fator preponderante para uma conquista. A conquista é sempre coletiva.
O que vemos no vôlei masculino? Vemos a mesma técnica bem desenvolvida e jogadores com altíssima capacidade de improvisação e excelente utilização de recursos. O mesmo balé se apresenta quando vemos um jogo de bom nível e o já citado entrosamento se faz tão importante para a conquista da vitória. Onde está a diferença, então? Na força. Pura e simples força. Adicionamos à equação do vôlei masculino uma variável que tem um percentual altíssimo de influência em cada ponto – a força, desmembrada em altura, peso, envergadura, impulsão, potência de golpe, velocidade se tornou o maior diferencial do vôlei masculino. Jogadores mais altos, trabalhados clinicamente para que seus corpos se transformem em equipamentos cirúrgicos de conversão de ataques, bloqueios e defesas. A equação do vôlei masculino é simples e pode ser representada assim:
Saque bem feito resulta em passe B ou C que permite bloqueio ou defesa bem montada = Ponto marcado. Não há nada de especial nessa expressão, mas quando se adiciona a força (como conceito) que o vôlei masculino oferece, os resultados são inevitáveis. É claro que existem exceções, assim como aqueles jogadores mágicos que conseguem suprir as deficiências técnicas de uma jogada com um toque refinado, mas é fato que se um saque tiver um maior fator de força, associado à técnica (que é comum a todos), o passe A se torna inviável, a bola se afasta da rede, o levantador normalmente aciona o ataque alto na ponta, o bloqueio (às vezes triplo) chega montado e faz o ponto ou amortece para a defesa começar nova jogada.
Em cada 10 jogadas de vôlei masculino que assistirmos, 9 serão definidas pela análise acima e isso significa que o número de resultados inesperados é cada vez menor e o perfil do jogador do futuro mais se assemelha ao de um lutador de luta livre do que o de um atleta das artes suaves.
Qual o motivo, então, do vôlei masculino ser tão mais popular que o feminino? Por que ele chega a pagar premiações 4 ou 5 vezes maiores? Por que uma final como a do Grand Prix, em pleno domingo, não é transmitida pelos canais abertos de tv e os jogos da fase de grupos da Liga Mundial têm cobertura ampla?
A minha resposta, por mais pobre que seja, é que realmente não sei. Tive a epifania deste questionamento durante a final do Grand Prix quando me descobri incomodado com o fato de as seleções permitirem tantos pontos seguidos do adversário, quando no masculino percebemos uma troca de pontos quase que na proporção de um para um. Me peguei sentindo falta da potência dos ataques do masculino e dos bloqueios quase intransponíveis, assim como cobrava das jogadoras a virada de bolas impossíveis, por saber que se fosse um Wallace ou um Zaytsev tirariam um coelho da cartola e fariam o ponto. Passei a gostar da força, essa é a verdade, e com isso me juntei a alguns milhões de fãs deste esporte pelo mundo que pagam ingressos mais caros pelos jogos masculinos e que vibram enlouquecidamente em cada ponto que dura, em média, 5 segundos.
A resposta surge na cabeça. O que quero é ver resultado, eficiência, pontos obtidos, gols marcados, cestas feitas e touchdows conquistados. Eu quero vibrar com uma winner de devolução e não com um drop shot. Houve um tempo em que se difundia a ideia de que o esporte, como ferramenta de inclusão e socialização, deveria ajudar a deixar as pessoas mais preocupadas em harmonizar seu dia a dia com a rotina de disciplina que vem no pacote, sentindo o doce gosto da conquista e aprendendo com o amargor das derrotas. Faz tempo isso, nem me lembro mais como era.
Hoje, me sinto uma pessoa pior. Daqui a pouco quando o Brasil entrar em quadra para enfrentar os EUA pela Liga Mundial certamente irei me esquecer de tudo que está escrito aqui e me divertirei ao máximo com a força das duas seleções. Wallace, Lucarelli e Anderson virarão ídolos novamente. Gabi, Sheila e Jaque voltarão a ser as menininhas sem força que sofrem demais para por a bola no chão.
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